quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Nós e os animais: histórias de vida penduradas em cordel

Jessuy

Jessuy comeu um tatu. E o tatu passou a ser o animal que escolhera para contar um pedacinho de sua história. Jessuy não gosta que errem a pronuncia de seu nome, que deve ser feita como no francês 'Je sui'. É porque o nome dela é esse mesmo: "eu sou" em francês. Bem lá dentro do Brasil, dentro de Tocantins, foi assim que ditaram no cartório. Com Y e dois S. E assim ficou...


Jessuy foi a primeira a responder, sem hesitar: o animal que mais marcou a sua história de vida foi o tatu.  E logo os colegas começaram a dizer os seus animais emocionais: vaca, cavalo, periquito, papagaio, cachorro, gato, onça, jumento. Nós não queríamos ficar de fora - um recurso didático, talvez - e complementamos com os nossos animais emocionais: cigarra e joão-de-barro. Não foi assim, Antônio?


Jessuy nos contou sobre o final de semana em que não havia nada para comer. Quando sua mãe, avassaladoramente mãe, foi à caça de um animal, levando consigo um cachorro da raça 'balaio'. Balaio, pra gente daqui, é aquele cachorrinho peludinho e pequeno. Bom, entendi que balaio, em brasiliense, é poodle.


A mãe de Jessuy se perdeu na mata e voltou somente na manhã seguinte. Trouxe consigo o almoço e o jantar: um tatu. Na época, segundo Jessuy, o tatu não foi preparado no leite de coco não, mas serviu bem pra matar a fome das crianças.

Valter

Quando Valter escreveu 'onça' em sua tarjeta laranja, todo mundo ficou impressionado. Principalmente eu. Sempre gostei de histórias de onças e já quase fui atacada por uma onça imaginária em uma barraca de camping. Acho que, quando pequena, um dos livros que eu mais gostei foi 'O saci', do Monteiro Lobato. Eu delirava com a fuga de Pedrinho e o saci da tal onça.


Um dia foi com seu pai tocar o gado, que era manso. Mas pra não espantar, o pai pediu que esperasse por ali perto da mata, sentado em uma pedra. Engraçado que pra contar da onça, o Valter insistiu em invocar o pai inúmeras vezes. E sempre com muito respeito. Acho que a história é metade da onça, metade do pai.O medo que sentia do que o pai pensaria do medo que sentia da pegada da onça. E o medo que sentiu ao ver a onça. E o medo que sentia de contar pro pai, que era um pouco nervoso, que havia visto uma onça bem ali, logo ali, onde aguardava o pai "ajuntar o gado". E era uma onça preta. A onça preta encarou Valter, que não soube se ficava ou se corria, se o bicho pegaria ou comeria. E que não sabia sequer se o pai merecia saber da história. Mas correu. Espantou o gado. Deixou o pai nervoso. Não disse nada. E, no caminho pra casa, ouviu várias vezes a onça seguindo seus passos.  Irresistível a tentação de olhar para trás. Muito medo de confirmar o perigo. Irresistível. A olhadela revela: dessa vez eram só alguns bezerrinhos.

Jelson

E foi o Jelson que contou, com a cara mais lavada do mundo, que seu animal preferido é o cachorro. É. Eu e o Antônio já sabíamos que os cachorros apareceriam diversas vezes como marcas importantes nas histórias de vida. Mas essa história era um pouco diferente, e de difícil digestão para mim. O Jelson saía com o cachorro para caçar animais na mata, no interior do Piauí. Era fácil achar o rastro do veado à noite, esperar vê-lo comendo os frutos caídos no chão, decorar a sua rota, e atirar no dia seguinte. Eu fiquei triste. Mas eu não tenho essa história de vida pra pendurar no meu cordel por ter uma outra hisória de vida tão distante desta em certo momento. Então deixei essa passar sem sofrimento.

Vicente

Foi divertido quando Vicente mencionou a importância do jumento como animal de carga e transporte em sua cidade. Antônio não se conteve: "Vicente, quando uma pessoa diz que a outra é um jumento, você acha que quem está sendo xingado é o jumento ou a pessoa?".  E André logo disse: "o jumento", rememorando em voz alta a importância do animalzinho de carga no interior do Maranhão em que nasceu.
 
Isso sem contar nas historias dos papagaios que falam, que falavam, e que animavam a vida dos pequenos. E nos cavalos que eram verdadeiros brinquedos de crianças.
 
Bem...no final eu contei sobre as cigarras e tudo que a minha infância trazia sobre elas. E o Antônio falou sobre o João-de-barro. Mas a gente logo percebeu que nossas histórias eram sem graça, eram pobres. Só podiam mesmo virar poesia, porque a gente é quem põe a poesia na vida. E só.

E a noite de terça-feira seguiu assim. Muitas histórias pra ouvir. Algumas risadas. E a sensação feliz de que encontrar o Antônio pra trabalhar junto foi um presente de 2009. E a gostosura de ter agora um novo grande amigo que eu amo.

5 comentários:

  1. Marina, vocês dois (você e o Antonio) se merecem. São maravilhosos!

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  2. nossa, mari, que trabalho genial!

    achei linda essa ideia.

    parabéns!

    ;*

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  3. Mariana,
    que delícia conhecer mais uma vez essa história, agora com as cores que suas palavras imprimiram nela.
    Obrigada!
    Maria Rita

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  4. Poxa, desculpe pelo Mariana. Sei que vc é a Marina, mas a presença da minha colega de trabalho "Mariana", com quem convivo cotidianamente me fez, como disse Antonio, desengolir um "A".

    Bjs Marina!!

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  5. Que bacana, essa aula ilustra a diversidade que existe nesse nosso Brasil, também resgata a história de vida e experiência de cada um e mostra como momentos pontuais nas nossas vidas por vezes se tornam eternos e nos marcam de tal forma que nem sequer reparamos. Estão de parabéns!

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