quinta-feira, 22 de abril de 2010

Eu + Eles

1.

Quando eu falei pra ele que sou uma fraude, ele me retrucou que não, que sou apenas complexa.
E quando eu me defino como difusa e confusa, ele me diz que quero ter controle demais sobre mim.
Quando eu falei sobre as ideias dos outros, ele me chamou de dicotômica.
Se me penso contraditória, ele fala em redes, conexões, multiplicidades.
E se me penso múltipla, ele me chama de única.
Como são confusas essas versões que a gente inventa pro querer, e que o querer inventa pra gente.

2.

Um dia tinha tanta coisa entre a gente, que a janela do meu quarto embaçou.
Como pode, se a janela do meu quarto vai de parede a parede?
Mas embaçou.
E o que tinha entre a gente era tão imaterial quanto o que descreve o amor.
E existe ainda hoje.

3.

Se existe alguma explicação para isso, eu não a quero.
Depois de explicado, acaba.
Nenhum amor pode ser explicado. Podem, no máximo, ser intuídos, penso eu.
Mas lá do fundo da minha contraditoriedade eu penso: alguém me explica o que acontece no meio do meu eixo quando ele me abraça?
Meu eixo torce.

4.

E não consigo evitar dizer: gosto muito de você, sabia?
Mas eu falo com uma voz baixa e com pouca entonação. Pouca variação.
Assim, quem sabe, ele releve.
É que toda vez eu falo a mesma coisa.
sou repetitiva.
Mas quando eu me anuncio repetitiva, ele não deixa.
Diz que são as letras que se juntam de maneira equivalente, mas que cada vez é sempre cada vez.

5.

Eu falo que o futuro me dá medo.
Que não quero, e já faz tempo. Não quero nada com cara de amanhã.
E ele me diz que não precisa amanhã.
Assim como não precisa não ter amanhã.
E que o amanhã nem precisa de cara.
E assim me extrai um sorriso, e não consigo não puxá-lo pelo queixo.
O beijo parece poder conversar o dobro do que as palavras parecem poder fazer.

6.

Hoje ele me disse que eu só faço o que quero.
Perguntei se ele me acha egoísta. Ele disse que não.
Se me acha egocêntrica. Ele disse que não.
Se eu sou voluntariosa. E mais uma vez, não.
Aí eu pensei que para contar algumas histórias frequentemente nos faltam mesmo palavras.
E sinto vontade de debandar de uma vez por todas do mundo da razão.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Das propriedades da água

Quando puder lavar a alma como se lava um apartamento
e deixar na água tudo o que pesa,
flutuará no espaço.
[recomenda-se, para tanto, água do mar.]


Dentro d`água
desova de pesares
entre marés

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Sobre pedaços e tamanhos de gente II

Uma vez eu parei de caber em você.

Eu não sei se eu cresci demais,
ou se você que diminuiu.
Ou se só diminuiu eu dentro de você.
Diminuir até que não é ruim, não.

Às vezes, ruim mesmo é engrandecer.

Será que eu engrandeci dentro de você?
E foi bem quando eu parei de caber em você
que eu comecei a apequenar.
E fui aprendendo aos poucos a pequenice que é ser grande.

Quanto maior eu fico, fico mais pequena.

Hoje em dia é comum dizer que menos é mais.
Será que mais, é menos?

Será que um dia, de tão grande, eu vou desaparecer?

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Síndromes de polinização

Onirofilia invertida


Dá-se às síndromes de polinização os seguintes nomes:

- Entomofilia: polinização por insetos; para generalizações.
- Anemofilia: polinização pelo vento.
- Ornitofilia: polinização por aves.
- Hidrofilia: polinização pela água.
- Cantarofilia: plinização por besouros.
- Psicofilia: polinização por borboletas.
- Falenofilia: polinização por mariposas
- Melitofilia: polinização por abelhas e vespas
- Miiofilia: polinização por moscas

O peso do grão de pólen garante, à abelha, a próxima flor. [ainda que ela não viva o tempo necessário para beijá-la]. Depois da polinização vem a fecundação.
E nas potencialidades do pólen, quem sabe flores, quem sabe bem-me-queres, quem saber mal-quereres, "o doce e o amargo da fruta". E quem sabe hibridizações e novas ploidias. Novas configurações. Novos bem-quereres, mal-quereres, doces e amargos.
Gosto do híbrido, que não tem nome científico. E do torto.

[Quanto espaço há nesse mundo para amores meio tortos?]

Eu gosto de ser polinizada. E de ser pólen.
Eu gosto da fecundação cruzada, mais que da autofecundação. Gosto da inter-polinização.

"Quantos mal-me-quer podem caber em uma única flor?"




sábado, 3 de abril de 2010

O que houve?

Não foi o excesso
- de vinho, de amor, de sexo, de fala.

Não foi a escassez
- de vinho, de amor, de sexo, de fala.

Que mania essa nossa de procurar o que foi.
Nada foi, senão é [se não é].

É o vinho, é o amor, é o sexo, é esse tanto de fala.
Tudo no presente e com implicação autoral.

Sem nada que seja dado pelo outro
- pelo vinho, pelo amor, pelo sexo, pela fala.

Mas será que seria,
- sem vinho, sem amor, sem sexo, sem fala?

O que será que seria se não fosse o que foi?

Para questões como essas, não há resposta.
- Há vinho, há amor e há sexo. Há fala.

E quando o vinho acabar, o amor acabar e o sexo acabar, sem algo a falar
pediremos novos vinhos, novos amores, novos sexos. Mais falas.

É assim, o fluxo inexorável da vida.
Principalmente depois que inventaram o salário, a pílula anticoncepcional, o divórcio, o amor livre, o viagra e a psicanálise.