sábado, 26 de dezembro de 2009

Das borboletas .

Hoje elas estão enlouquecidinhas.
E vestem as cores mais alegres: amarelas, vermelhas, laranjinhas.
Tem algumas que são brancas.
Estão num bater de asas bem veloz, como se com isso pudessem aumentar a velocidade do meu carro. E chegar mais rápido.
É que sabem que após 1200km estarão no Rio de Janeiro.
Batendo asas em outros ares.
Engraçado que esses ares elas já tanto conhecem...e sempre agem como se fosse a primeira vez.
Deve ser por isso que é sempre inexplicável a sensação de "estar indo" para lá...




quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Haikais para futuros pais

I.

Ervilha na barriga
pequena companheira
que não é comida.

II.

Cinco semanas
tamanho de joaninha
nem nome tem.

III.

Essa pequena
Nóbrega Evangelista
quando é que vem?

IV.

E se essa pequena
na verdade é um pequeno.
O que é que tem?

V.

Virá dentro d`água
esse cancerianinho
tão miúdo.

VI.

Lá da barriga
filho de antropólogo
relativiza?

VII.

Quando o Levi tava indo
o filhinho da Márcia
tava voltando.

VIII.

O felipinho
não poderá mais ser inho
de bebê no colo.

IX.

Lá em Brasília
já tá com cara de tia
a gordinha.

 - Esse ano, de Natal, ganhei um sobrinho. Ansiosa pros próximos anos. -
:)

domingo, 20 de dezembro de 2009

Sobre pedaços e tamanhos de gente - 1

Se tento colocar os pés para dentro, a cabeça me sai.
E quando, com esforço, enfio a cabeça dentro desse negócio, a coluna entorta - e me dói.
Se cabendo a cabeça mantenho a postura ereta, a ponta do pé, mesmo que seja só a pontinha, acaba saindo.
E foi desse jeito que eu acabei crescendo: meio torta mesmo.

Os ombros tentam se encontrar formando uma semi-circunferência que costumam chamar de sifose, mas que é apenas o que restou de uma timidez.

E meus cabelos foram desenhados assim: tentam alcançar as estrelas na menor das manifestações de algum vento que sopre diferente.

Os pés vieram curvos, à imagem e semelhança dos de meu pai. Tem formato de meia lua, de maneira que estão sempre mais suspensos que encostados no chão. Devem querer estar mais na Lua que na Terra mesmo.

Embora torta, tenho ponta do pé e de cabeça.
Cinco pontas de dedo em cada mão
E outras cinco em cada pé.
Foi a moldura. Foi só a moldura que veio errada.

Porque diabos nos fazem molduras tão apertadas?

Eu poderia mesmo ter vindo em uma moldura maior.
Nessa, acabei ficando sem enquadramento.
Mas não tem problema.
Depois daqueles vanguardistas famosos, pedaços de gente e gente torta  são também obras de arte.
E eu fui feita assim.
Pequenos pedaços meio tortos.
Que hoje estão espalhados.

Talvez algum deles esteja caído aí, em você.
Se você achar, pode me devolver. Vou colar.
Ainda bem que, hoje em dia, até mesmo as colagens são obras de arte.
Ah!!!...........os modernistas..!!!


sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Classificados

Na primavera passada eu colhi várias sementes de vento leste.
Elas parecem aqueles feijões que saltam.
Estão sempre na iminência de soprar.
O vento sai do leste em direção ao oeste.
E para aqueles que buscam o Oriente, elas não servem.
Sempre vão soprar na direção do des-oriente.
Se você anda muito bem orientada/o, é bom plantar algumas.

Hoje e amanhã, nos classificados do  Correio Braziliense.


É claro que eu só faço a entrega pessoalmente. Eu tinha que ser muito desorientada para mandá-las pelo correrio. É claro que elas não achariam o rumo.

Obrigada pelas eternas contribuições, professor @arautonho !

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Me conta de novo sobre seu anel?

Depois de tanto tempo distante, hoje, mais uma vez, eu fui observada pelo chorante.
Pelo Miles. Pelo trem das onze.
E dessa vez, além dos três, da sua bateria, dos seus dois berimbaus, e do tamborzinho de plástico, da guitarra, do violão, do baixo, das flautas de bambu, de madeira, da de cobre e das de plástico, e além daqueles montes de cabos espalhados pelos sofás, tinha um que era novo: o trompete. Agora você também tem um trompete.
Fui observada pelo seu trompete novo que emitiu um som ainda tímido, me dizendo que eu o deixava nervoso.
E eu deitei no carpete, como fazia quando criança na casa de uns amigos que eu tinha.E abracei uma almofada.
Você logo deitou ao meu lado, claro.Tinha hoje o olhar sereno, mas ainda levemente vago.
E passeei com as mãos pelos seus cabelos, lisinhos e fininhos, enquanto observava novamente o leão, o trem das onze e as bailarinas na parede.
Hoje o mendigo punk não estava lá. Nem a pintura que você fez da sua ex-namorada. O elefante...é, esse você me deu, então também não estava lá. E no sofá, seu skate velho. E dessa vez o novo, que eu não conhecia. Acho que esse é o mais bonito que você teve. Sorri sozinha admirando a familiaridade que tudo aquilo tinha pra mim, e pedi:

"me conta de novo sobre o seu anel?"

Mas eu já havia pedido isso várias vezes hoje, e então você disse: "não, já chega".
E na mesma hora eu entendi.
Essa longa viagem, do Sol à Terra, não tem sido fácil, não é mesmo?
Já temos algum tempo nessa nossa vida meio doida, com várias viagens que nos afastam e aproximam do planeta, dos planetas, das pessoas e um do outro.
E há vários anos esperamos, sem sucesso, voltarmos de nossas viagens.
Nunca voltaremos. Mas estaremos sempre aí. Cada um na sua rota.
E estaremos sempre sozinhos, porém muito bem acompanhados.
Bom retorno, meu amigo!

domingo, 13 de dezembro de 2009

Quem foi?



Ao menor sinal da sua presença, elas voam.
Quando o telefone toca o MP3 que escolhi para quando você me chamasse, elas voam.
Quando meu telefone celular acusa uma mensagem e eu penso que pode ser você, elas voam.
Quando é dia de te encontrar e a hora se aproxima, elas voam insandecidamente.
E quando eu finalmente te vejo despontar no horizonte, elas voam tanto que chego a engasgar, porque  elas saem do estômago e vão até a minha garganta.
Aí eu te abraço antes de dizer oi, para dar tempo de engoli-las. E, aos poucos, elas pousam e descansam.
Elas são tão pontuais. Queria saber...
quem foi que amestrou essas borboletas?

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Avoada para Terra



Ada sequer se importava com todo o rebuliço que sua subida causara. Ainda assim, de maneira quase solícita, remeteu um bilhete aos demais, contando algumas de suas descobertas. Desenhou com suas letras mais bonitas as seguintes palavras:


"As asas que encomendei vieram hoje. Elas vieram do mar, voando.
De início, pareciam peixes. E logo lacei alguns para mim, afinal, quem tem laços vai à Lua.
Foi quando notei que, pouco a pouco, os peixes se transformavam em asas de verdade. E depois disso se acoplavam aos respectivos destinatários.
Descobri assim, como quem não quer nada, a origem das asas. Sejam de libélulas, morcegos, formigas ou corujas. Elas vêm da água. São peixes que já não cabem mais em si mesmos e precisam se doar. Eles se enamoram pela resistência do ar e sobem. Esse é o primeiro passo.
A água tem essa coisa de se ajustar aos recipientes em que se encontra. Essa coisa meio mole, que permite o nadar. Desde a escola eu já imaginava que voar e nadar são, na verdade, coisas parecidas.
Pra fazer um par de asas é preciso um par de peixes cansados do nada. Um par de peixes cansados de nadar. É preciso também uma dose de vento, para entrecortar e desfiar cada escama, minimamente. São os ventos os responsáveis pela delicada metamorfose que converte as escamas em delicados fiapos gentilmente chamados de penas, nas aves, ou de veias, nos insetos.
Munidos de escamas esfiapadas, os peixes se emparelham. Sobem em par para se tornarem pares de asas.
E foi assim que ganhei as minhas. Contrariei a tendência ao nado que há em meu primeiro nome. E a tendência ao nada também.
Regida por netuno, com horizonte marcado pela Lua, e a Lua dentro da água com forma de caranguejo, sabia que o nome que me foi dado estava como que pela metade.
E dessa metade eu entendo bem. Ada...metade de palavra que não é ainda adjetivo, tampouco partícipio de verbo. Não me serve mais como nome. Sou definitivamente Avoada, agora. Mas não adjetivo, nem particípio, não. Sou substantivo simples, porém próprio."


Após o bilhete, a última notícia que tiveram de Ada veio para a mãe da menina, em sonho. E não estava assinada. Ada prometera, nessa ocasião, tomar muito cuidado com seus voos sem oriente, e mais ainda com as suas aterrisagens em terrenos desconhecidos. Seu maior pesadelo agora era pousar desavisadamente sobre a cabeça de alguém, e acabar por esmagar, casualmente, um sonho qualquer.

As crianças compreenderam bem. Ada não voltaria mais em sonho, e cuidaria ao máximo para não voltar em pesadelo. Aos poucos, a imagem da menina seria fielmente substituída pelos enlaces da memória de cada um. Essa memória que percebe o que não vê com os sensores do coração. Essa memória que é a mais fiel de todas.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Insônia virtual em terceira pessoa.

Naquele mesmo modelo: tonta de álcool às 4 da manhã. E muito inspirada. Com fome de arroz integral gelado com shoyu e vontade de ler tudo que há de mais brilhante na internet. Todos os devaneios oníricos possíveis hospedados nos sites de blogs que recebem o apelido de favoritos. E Demetrios Galvão nem imagina como será visitado essa noite. Entretanto, é pouca a paciência e menor ainda a concentração. Muitos sentimentos que estavam dormindo afloram e a última vez que a criatividade esteve tão vívida lhe custou uma baita dor de cabeça atribuída, injustamente, ao último chope da noite.


Entre um clique e outro, acessará todos aqueles blogs que segue fielmente em busca de um poema que esteja saindo do forno, que tenha sido publicado agorinha por mais um insone-etílico e que vai completar o espaço no peito que surgiu depois dessa noite que mais pareceu um coito interrompido.

Seguidora fiel de N blogs, como a maioria das seguidoras fiéis, não conseguirá se concentrar em 2/3 dos textos e logo clicará novamente em todos os textos previamente lidos na última noite etílica. Esses que ela já conhece, já gostou, já elogiou e até pensou "poxa, podia ter sido eu quem escreveu esse treco..". Mas que sempre quer ler outra vez porque parecem resumir tudo em poucas linhas. E tudo agora tem um formato meio torto e uma cor meio turva. E se pedir pra que faça o 4, tudo certamente se estabacará no chão. Mas precisa ler. Alguma coisa deverá se encaixar nesse estado meio letárgico, meio ansioso, meio romântico, meio solitário.

E serão muitos os MP3s desenrolados nessa solidão construtiva que transforma todas as músicas em poesia e o frio da noite em brisa existencialista  - daquelas que dão vontade de partir deixando um bilhete emocionado. A lastfm dos amigos nunca pareceu tão frutífera. E Mateo Messina nunca pensou que seria motivo de repeat.

A noite foi boa, mas parece que essa é a melhor parte. Essa parte desfrutada por ela, com ela, pra ela. Que é só dela. Num intimismo que se confunde com individualismo proporcionado pelo silêncio da casa que, durante o dia, esteve tão agitada. E ela que não quer que ninguém tenha nada com isso. E agora ninguém tem mais nada com isso mesmo. Ou pelo menos, agora, parece que ela já não se importa. Mas se importa sim, porque já até aprendeu a controlar o resultado possivelmente desastroso disso tudo: a essa altura do campeonato, gastará suas melhores metáforas em um email romântico contra-orgulho que, dessa vez, assim como na anterior, não será enviado. Será dignamente salvo na caixa de rascunhos de forma que, amanhã, descabelada e sóbria, ela possa suspirar aliviada e postar em seu Twitter mental: "Maturidade é beber gim, cachaça e cerveja e ainda assim manter o autrocontrole". Aquele e-mail, muito em breve, será matéria de poesia. E isso bastará até próximo encontro.

sábado, 5 de dezembro de 2009

avoADA



Após a leitura do bilhete não remetido, as crianças recordavam momentos ilustres de Ada na escola.


A aula de natação era sempre motivo de risada. Aguardavam ansiosas pelo momento em que Ada se recusaria a entrar n`água.


Ada justificava-se dizendo que, tendo seu Sol regido por Netuno, era como se já tivesse vindo da água. Agora queria aprender novas coisas. Agora, nas práticas escolares de Educação Física, queria aprender avoação.


A professora sempre dizia, enfática: "Nada, Ada! Nada há de mal, nem de mau, em nadar. Em nadar não há nada, há tudo. E você, com esse nome, nem precisa de nadadeiras! Só precisa de um N".


Ada se impacientava com Ns, com nadas, com nados. E já havia decidido desde os primeiros dias na escola, quando frequentemente era chamada de avoada, que não nadaria.


"O que mais uma pessoa avoada pode querer, senão aprender a voar???"


E todas as vezes que precisava se justificar, Ada repetia que seu Sol tinha formato de peixe. E que havia lido por aí que todas as piscianas são assim, avoadas. Queria, então, fazer jus ao que sempre teve que ouvir da própria professora. E estava pronta para voar.


As crianças se lembravam de tudo isso e se sentiam, em parte, responsáveis pela partida de Ada. Recordavam, em tom de remorso, as vezes em que, intolerantemente, diziam em coro: "Então avoa, Ada, para longe daqui!"

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Os segredos de Ada.




Não por acaso as crianças pediram para explorar os pertences mais íntimos deixados por Ada. Pertences bem guardadinhos em caixas de sapato vestidas de chita.


Ada tinha gosto por caixas. Parecia que tudo o que fosse especial em seu mundo poderia ser encaixotado. E parecia, na verdade, que o mundo era mesmo uma grande caixa recheada de caixinhas menores. E menores, e menores, e menores. Como aquelas bonequinhas russas. Em alguma das caixas poderia encaixotar a si mesma. E cada caixa pequena poderia pertencer a uma caixa maior. E assim, nada ficaria sem lugar. E um dia, todos se encontrariam em uma caixa maior.

Talvez Ada tramasse construir o seu mundo particular no interior de caixas. E elas eram várias.


O conteúdo das caixas não poderia ser mais esclarecedor. Sementes aladas: de peroba, de ipê, de guapuruvu. Asas de libélulas e de formigas reprodutoras. Pedrinhas muito redondas. Lápis de cera. Papéis coloridos. Fotografias e recortes de propagandas que não queriam dizer muito mais do que Ada podia entender. Alguns escritos.

Entre as colagens, o gosto de Ada pelo espaço e pelas asas. E o gosto de Ada pela forma como as asas parecem poder tomar os espaços.


Entre os escritos, uma grande saudade que parecia não ter objeto. Uma saudade que parecia se aliar a um querer que, por sua vez, parecia se aliar ao cruel mundo platônico das idéias. E dizia assim:

"Aqui da minha terra, eu sinto saudade de você até a lua.
E quando eu puder voar,no espaço, vou até esse tal satélite natural resgatar o vazio que essa saudade me deixa. Lá na lua, vou sentir saudade de você até a Terra. Mas vou estar flutuando. Vou ter ganhado asas. Aí vou trocar saudades por asas. Vai valer a pena."