segunda-feira, 29 de março de 2010

Só posso agradecer!

Idos de 1985, quando morávamos na Casa.

As águas de março que fecharam o verão de 1984 me trouxeram uma irmã.
Eu tinha exatamente 1 ano, 1 mês e uma semana.
Me contaram que quando ela chegou em casa, bem miudinha, a primeira coisa que eu fiz foi aplicar-lhe um beliscão.
Meu pai diz que era ciúmes. Pode ser que tenha sido. Tem certas coisas que não dá pra explicar a uma pequena primogênita. Eu tinha muito pouco tempo a mais nesse mundo.
O fato é que eu certamente não imaginava o que estava por trás de uma caçula.
Eu tenho uma irmã pequena, de 26 anos de idade.
E já nem sei mais me significar sem.
Há 26 anos meus pais me deram a Bebel de presente.
E foi assim que eu conheci a fidelidade.
Bebel é fiel. Fiel de verdade.
E eu daria o mundo por ela.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Pelas barbas de Platão!

Já são quase dois anos de análise para tentar aceitar que o mundo das ideias, que tanto me fascina, deve ser descartado. Já andei por vários tópicos diferentes, mas a cada sessão, independentemente do tema, eu me descubro vivendo pendurada nas barbas de Platão.

Mas o que eu faço com a não-ideia, depois que deixar a ideia de lado? O que eu faço com a desideia?

Fico com medo do que existe, se é que existe, para além da ideia.

Qual a cor, a forma, o cheiro e o gosto?

Tenho medo de que desidealizar seja desmundar.

Final da noite
quase alcanço a ideia
o despertador toca

quinta-feira, 18 de março de 2010

Ainda sobre garotas e peixes.

Percebi hoje que eu perdi um sem número de pensamentos tristes.
Eles eram tristes, mas me inspiravam.
Hoje, sem eles, fico despalavreada.

Continuo peixando, como bem sei fazer.
Mas não em um aquário.
O mundo de hoje é líquido demais. Peixar tá cada dia mais fácil. Nem é preciso recipiente específico.
Peixar por aí é lema de vida.
Mas há que se ter em mente o seguinte: sempre se deve peixar a fuga do aquário, pois por maior que seja o aquário, ele sempre será um aquário.    


"As pessoas creem perseguir as estrelas e acabam como peixes-vermelhos num aquário"

quinta-feira, 11 de março de 2010

O lado de lá de cada um

Fungos e bactérias são seres decompositores.
Eu tenho que ensinar isso de vez em quando. Pelo menos uma vez por ano em alguma série.

E eu digo: "imaginem se não existisse o processo de decomposição, teríamos que conviver com todos os cadáveres de todos os seres vivos que já existiram no planeta Terra."

E ele me pergunta, em seus 10 anos de idade: "Professora, por que quando as pessoas morrem e vão se decompor as pessoas choram?".

E depois eu dou essa aula novamente em outra turma. E as crianças divergem de mim. Não acreditam que os ossos também sofrem o processo de decomposição.
Mas eu ensino que sim, que demora muito mais, mas que os ossos também se decompõem.

E ele, em seus 11 anos, em alto e bom som: "Essa hora meu pai já foi todo decomposto então, ele morreu já tem uns 4 anos. Deve ter sobrado só osso."

Eu fico sofrida quando escuto essas coisas. E passo por elas pensando: sabe-se lá como é o lado de lá do meu aluno. E volto a pensar sobre a morte. E sobre os pavores que a morte provoca.

Nota mental de 10.03: aula de ciências = nó na garganta.

Por muito tempo eu estive convencida de que achava triste o viver. E eu sequer tinha duas décadas de nascida quando confrontei pela primeira vez esse torpor. Achava que era a vida que era triste.

Mas não. A vida nunca foi triste.

O viver, esse de passar entrecortando a vida que já está aí há tanto, esse viver, que não é perene, esse sim. Este pode ser triste. E por muito tempo foi ele quem me causou tantas náuseas.

Atribuía, precocemente, meu desconforto de viver à ausência de sentido que achava que a vida deveria ter.
E ouvia de meu pai que passarinho algum procura sentido em viver, mas todos vivem. Voam e cantam. Comem e dormem. Nessa época, tão remota, não havia compreendido ainda a grandeza dos pássaros.

Não faz muito que percebi que a vida é muito maior que a minha existência,  e que mesmo assim, isso não diminui o sentido do meu viver. Estou a cruzar o caminho da vida há vinte e poucos anos. Pouco o suficiente para aceitar pacificamente o despropósito da vida. O acaso, a contingência.

Não é desconfortável pensar dessa forma, e tenho sempre que me policiar para lembrar que as dificuldades e o peso da vida também não são dela própria, senão meus. Afinal, a vida, depois que eu terminar de passar por ela, vai ser a mesma. Ela simplesmente acontece.

Outro dia eu conheci uma plenitude bonita. Era sol e tinha um lago. Pensei em tudo que fiz e venho fazendo. E nos planos que ainda me faltam fazer. E nos que eu já fiz e estou esperando não-concretizar para sobrar espaço para fazer mais. E nos que eu quero concretizar de verdade ainda.

E aí tive o prazer de conhecer o medo de morrer.

Nada disso extingue a minha melancolia.
Ele insiste em dizer pelo telefone que minha voz é triste.
E outrora já me falaram que embora doce, meu semblante é tristonho.
Mas não.  Não é tristeza.

Minha voz não é triste.
Meu semblante não é tristonho.
É o meu jeito de perceber a vida que me pinta de um jeito que para alguns remete à tristeza...mas que em última instância é só uma humildade perante o resto, que é o todo, porque o resto, do todo que eu inventei, sou eu.

Me lembrei de quando li o Borges dizendo que a angústia de morrer é saber que a vida vai continuar sem você. Do ponto de vista filosófico, talvez isso seja uma ignorância. Mas do ponto de vista da minha intuição, é isso. A vida, desde que se iniciou, sempre continuou.Vai continuar sem mim. O chato é que parece que ela não nos dá tempo de fazer quase nada.

Pensar isso tudo me faz ter saudade de mim.

E penso em Mersault, quando Camus o fez ter medo da morte pela certeza que a ele ela traria, a certeza de que sua vida foi consumida sem ele. Me remeto a Mersault e tenho medo. E aí antes de dormir, procedo ao ritual que adotei mais recentemente: ter a certeza de que venho consumindo doses exageradas de um viver propriamente meu, todos os dias.

"Know that one day I must die/ I'm alive..."