quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Anemocoria

1. Ela sempre quis se soltar do dente em que morava.
2. Morava com muitas outras companheiras. Sempre presa, no mesmo lugar, sentia-se só.

- Você já notou como a gente se sente sozinha no meio de tanta gente? –

3. Imaginava tudo que faria quando...
....mas quando nunca chegava...

4. Imaginava tudo o que faria se...
...mas se não acontecia nunca...

- Você já notou como algumas palavras só existem para nos pregar peças? –

5. Conversa com as companheiras, todas presas. Nem todas se sentem solitárias. Algumas até estão confortáveis. O conforto que o que é seguro traz.
6. Queria se desprender de casa. De qualquer jeito.
7. Uma abelha voando lhe provoca esperanças. Simplesmente por existir voando.

- Você já notou como delegamos aos outros responsabilidades sobre nós que a ninguém mais cabe, a não ser a nós mesmas?-

8. “Abelhinha, tão sujinha
De pólen amarelinho,
Me carrega contigo, que eu te limpo
Todinha
Com cada um dos meus pelinhos
Há tanto que só fico aqui, que tenho me sentido muito sozinha”


9. Mas a abelha trabalha muito, pra alimentar outras tantas companheiras.
10. “Peça uma carona ao vento”, recomendou a abelha.

- Você já notou como alguns de nossos problemas nunca parecem grandes demais para os outros?-

11. Animou-se com a possibilidade de seguir os caminhos do vento. Acordou as companheiras para comunicar que partiria em breve.
12. Suavemente o vento chega. Tão volumoso, não nega carona. Levanta uma a uma, e as coloca em movimento.
13. Tão livres, tão leves, elas dançam. E dançam. E dançam.
14. Leves são seus passos, que no tempo do vento, as carregam pelos mundos.
15. De tudo experimentam. Até que, em um instante qualquer, por distração, o vento perde força. Sem suporte, elas caem.
16. Estão em terra firme. Nunca sentiram a terra antes, embora soubessem que dela viessem.

- Você já notou como frequentemente esquecemos como é que nos tornamos quem somos? –

17. No solo, ela brota e germina. Então, de repente, se vê, novamente, presa.
18. Depois de tanto viajar e conhecer, está de volta às origens.
19. Não está triste. Agora, em paz, percebe que um dia teria que, enfim, criar as suas próprias raízes.
20. Será, futuramente, a nova prisão de outras tantas.

- Você já notou que, geralmente, parece que as histórias se repetem? -





Para quem não lembra, dente-de-leão é um fruto seco, que tem o vento como agente dispersor de suas sementes. Esse processo de dispersão de sementes pelo vento é chamado anemocoria.

2 comentários:

  1. E eu que tô precisando me anemocoriar..
    E esse é o texto daquela ideia né?
    bjos!

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  2. gostei muito de sentir-me em total estado de anemocoria! adorei a palavrinha esquisita e tão, tão leve! me dá licensa poética de usar também? beijocas!

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