domingo, 1 de novembro de 2009

I. Da remoção



Eu investi muita matéria e energia na construção dos meus sisos. O material que eu não utilizei pra formar dois outros dentes definitivos (e por isso dois dentes de leite moram ainda em minha arcada) eu devo ter alocado lá, nos sisos. De repente, assim, olhando a radiografia, resolvemos nos adiantar em relação ao futuro: você pode vir a ter dores na coluna por conta de sisos mal posicionados! Então, vamos extraí-los! Todo aquele investimento de cálcio, paf! Para nada. Mas tudo bem...podemos sempre brincar de Poliana e procurar o lado bom da coisa.

Aí no começo você vê realmente o lado bom. A começar pela injeção de tropofol - o mesmo remédio do finado Michael. Aliás...eu tive medo desse negócio. Eu li na wikipedia que é um hipnótico. Com minha casa oito regida por planetas do inconsciente, amante dos segredos e dos mistérios, já me adiantei  e perguntei ao médico se eu corria o risco de falar inconscientemente todos os meus segredos. Pergunta para qual obtive a resposta "Todos não, talvez um ou outro". Gelei.

Ao final da cirurgia fui acordada com a notícia de que eu havia falado um pouco, e deixei o dentista assustado.


"Fico impressionada com essa história de separação"


E o dentista, preocupado, achando que seria o momento de um desabafo inoportuno:


"Que separação, Marina?"


E eu...


"A separação entre os neuroreceptores de dor e de tato, porque eu estou sentindo você mexendo aí, mas naõ dói nada, nada..".

Bom..pelo menos não revelei nenhuma grande segredo, além do fato de eu ser meio...nerds?!

Enfim...o tropofol me proporcionou um bem-estar incrível. Minha mãe disse que nem a minha analista ia acreditar se me visse tão meiga, tão carinhosa.

Entrando, então, nessa linha psicanalítica, decidi imaginar que a extração de sisos poderia funcionar como um retiro. Devo evitar falar, fazer esforço físico. E todo mundo precisa ficar um tempo sem falar. E sem se esforçar também. Achei que viesse a calhar.


E pensando ainda mais positivamente, tem os dias de atestado. É...tem os dias de atestado. Isso quer dizer que eu não vou acordar 6 da manhã pra trabalhar e voltar as 11 da noite do trabalho.


Tem também o lance da gente saber, de experiências anteriores com os nossos amiguinhos, que nessa ocasião podemos viver à base de sorvete.

A parte ruim parece ser o fato de que vou me assemelhar, na melhor das hipóteses, a uma pêra. Mas e daí? Faz parte do retiro ficar uns dias sem aparecer pra sociedade. E quem sabe, se eu conseguir me elevar, posso usar esse momento pra cultivar o desapego da imagem juvenil intocada e lembrar que: "Isto também passará". [Tanto a imagem juvenil quanto o formato pêra...]


Mas isso não é nada.


Que tipo de workaholic consegue ficar deitada, com três travesseiros, o dia inteiro?

Já se foram 6 dvds e um livro inteiro.
Já até assisti Amelie Poulain.
Já ensaiei a sanfona.
Já estou há 72 horas nessa condição, que, pra mim, é a própria miséria.

Descobri, por exemplo, o que no fundo eu já sabia: eu nem gosto tanto de sorvete assim.


Já transformei dormir em brincar, pra brincar de sonhar e registrar o sonho. Já sonhei de tudo e o tempo não passa.

Já enjoei de todas as opções moles e frias que a geladeira oferece: pastinhas árabes, iogurtes, sucos, sorvete, doce de leite, goiabada. Eu quero um pão com queijo e um café quente.

Já subverti toda a minha moral interna em relação a remédios e sinto as paredes do meu estômago corroídas pelos antibióticos, antiinflamatórios e dipironas. (...mas é claro que eu ainda tô tomando arnica, pra ter a falsa sensação de que não sou tão alopática assim...).

Já recebi algumas visitas, necessárias pra não me sentir sozinha, mas somente aquelas que garantam que minha auto-estima não vai mudar de lugar. Porque olha....eu estou muito feia. Feia como eu nunca tinha estado na vida.

Já exerci minha cidadania eletrônica: li uma série de blogs. Já mexi no orkut de quem conheço e não-conheço. Mandei vários e-mails. Até abri uns forwards que estavam há muito tempo parados na minha caixa de entrada.


Ainda me lembrei que amanhã - no dia dos finados - meu pai faz aniversário. E nós contratamos uma banda. Mas...pra que serve uma banda quando você é uma pêra de cama??? A banda é pra gente dançar, porque pra ouvir música....ah!!! Isso eu também fiz nessas 72 horas. Todos aqueles mp3 que ainda não me enjoaram eu já ouvi. E também já passeei pela lastfm de uma galera.


Agora tô na fase de controlar a revolta: como eu pude gastar tanto dinheiro pra ficar inchada na cama, sem poder comer, beijar, falar, e sair? Só porque estava escrito na radiografia? E nem dores eu tinha! ... E olha que eu escolhi tirar esses 5 dentes, e me respeitaram. Imagine que tem gente que quer tirar dois dentes e sai sem nenhum? Eu deveria estar feliz, isso sim.
















2 comentários:

  1. olha que coincidência... meu ultimo siso tá nascendo e estou com dor a 4 dias a base de dipirona...

    moreeee, sua nerdsss, workopata!!
    belo textooo, adoreii. bjosss

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  2. "Porque olha....eu estou muito feia. Feia como eu nunca tinha estado na vida."

    Nunca se fica feia diante dos outros. Mesmo que pra isso tenha que escrever isto.

    pps

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