sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Flor da manhã.

Era sempre bom quando ela desabrochava em meu dia-a-dia, na capital federal.
E agora é tão raro.
Agora é calendário: é em julho e janeiro. E olhe lá.

Sempre me lembro da grande proporcionalidade que encontrava nos segredos que me trazia. E sempre com muita tensão. A desimportância que tinham para mim era do mesmo tamanho da importância que ela aplicava a cada um deles.Eu nunca entendia, só respeitava.

Foi quando ela pediu de presente de aniversário 5 reais a cada amigo que grande parte de nossas vidas viraram fotografias - em sépia-preto-branco-colorido. E passamos a guardar em nossas pastinhas amarelas virtuais incontáveis megas de memórias. E isso já tem uns lá-se-vão quatro anos.

De nós todas, ela foi a que mais demorou a querer o que a gente queria. E a gente queria tanto que ela quisesse o que a gente queria. Mas a gente queria cevada e coisas do gênero. E ela? Creme de brócolis, água tônica, café.

Era muito mais amiga do Sol que da Lua. Mas era tão nossa amiga que teimava em resistir até as tantas do relógio mesmo que seus cílios superiores forçassem encontros casuais com os inferiores, já a tantas da madrugada, quando não acompanhava o ritmo frenético dos amigos mais desapegados do Sol. E nos explicaria que precisava colocar as costas ao chão - pois elas doíam. E que fecharia o olho, mas só por 5 segundinhos.E assim justificava o nome que recebera dos pais. Ela me disse uma vez que significa, em tupi, "flor da manhã".

De vez enquando suas ecnonomias a apertavam. Então ela alinhava em um fio de nylon um monte de miçanga colorida. Algumas brilhavam. E brilhavam com elas os olhos das meninas que se sentavam às mesas de bar. E era assim que ela garantia o seu carnaval e o ingresso pro show daquela banda que gostava.

O problema é que passar o carnaval, as férias, o reveillon ou qualquer outra data teoricamente mais importante longe da família, lhe custava uma grande dose de ácido clorídrico no estômago. E algumas lágrimas. Isso porque sempre estava rodeada de certeza de que seus pais ficariam chateados. E chatear os seus pais era um medo tão grande, que era uma de suas maiores chateações. E nós, que não conseguíamos alcançar com a mesma emoção todo esse sentimento, ficávamos chateados também. E tantas vezes impacientes.

E foram tantas as vezes em que me ligaria angustiada, pedindo opinião. E depois pedir mais mil vezes a mesma opinião. E ficar confusa. E ansiosa. E angustiada.... E foi entre algumas dessas confusões e angústias que ela decidiu por ir embora.

Ela era sempre cheia de histórias e piadas. E comentários inusitados. E não tinha quem não gostasse. E manteria suas amizades mais antigas. Com dedicação. Quando chegasse em São Paulo ligaria até mesmo pra Silvinha, aquela que faz circo e que era amiga da primeira infância.

Fui com ela pro Rio. E fui com ela pra Buenos Aires. E pra São Paulo. E pra Pirinópolis. E pro Rio-de-Janeiro. E pra Goiânia. E pra 3456 festas, shows, filmes, bares e cafés. E pra UDV. E pra casa de sei-lá-quem-fazer-sei-lá-o-quê. Quando essas casas tinham um piano, ela tocaria a marcha nupcial.

E me telefonava 344 vezes por dia. E me ajudava a pensar 123213 questões. E dormia na minha casa mesmo que o colchão fosse daqueles infláveis e ela acordasse dormindo no chão. E para dormir, uma vez,  até compramos pijamas iguais. E também tínhamos saias, calças, calcinhas e sutiãs iguais também.

Invariavelmente ela seria amiga de todos os meus namorados. Porque era companheira de verdade. E quando o namorado ia embora, pq a vida levava, ouviria pacientemente 32432 lamentações repetitivas. E até hoje, quando esses misteriosos seres do sexo oposto se costuram à minha vida, ela me ouve. Mesmo que agora paguemos muito mais caro por isso. É que agora é DDD, né?

E agora, confirmando o que vem acontecendo nos últimos janeiros da minha vida, ela chegou. E pudemos tomar café, comer salada, assistir filmes e trocar, entre as amigas, as roupas que não nos servem mais e as histórias de nossas vidas que tanto nos servem. E aquelas que não servem mais também. E ainda temos muito pela frente. Até que fevereiro chegue e a leve de volta à beira-mar.

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