"As asas que encomendei vieram hoje. Elas vieram do mar, voando.
De início, pareciam peixes. E logo lacei alguns para mim, afinal, quem tem laços vai à Lua.
Foi quando notei que, pouco a pouco, os peixes se transformavam em asas de verdade. E depois disso se acoplavam aos respectivos destinatários.
Descobri assim, como quem não quer nada, a origem das asas. Sejam de libélulas, morcegos, formigas ou corujas. Elas vêm da água. São peixes que já não cabem mais em si mesmos e precisam se doar. Eles se enamoram pela resistência do ar e sobem. Esse é o primeiro passo.
A água tem essa coisa de se ajustar aos recipientes em que se encontra. Essa coisa meio mole, que permite o nadar. Desde a escola eu já imaginava que voar e nadar são, na verdade, coisas parecidas.
Pra fazer um par de asas é preciso um par de peixes cansados do nada. Um par de peixes cansados de nadar. É preciso também uma dose de vento, para entrecortar e desfiar cada escama, minimamente. São os ventos os responsáveis pela delicada metamorfose que converte as escamas em delicados fiapos gentilmente chamados de penas, nas aves, ou de veias, nos insetos.
Munidos de escamas esfiapadas, os peixes se emparelham. Sobem em par para se tornarem pares de asas.
E foi assim que ganhei as minhas. Contrariei a tendência ao nado que há em meu primeiro nome. E a tendência ao nada também.
Regida por netuno, com horizonte marcado pela Lua, e a Lua dentro da água com forma de caranguejo, sabia que o nome que me foi dado estava como que pela metade.
E dessa metade eu entendo bem. Ada...metade de palavra que não é ainda adjetivo, tampouco partícipio de verbo. Não me serve mais como nome. Sou definitivamente Avoada, agora. Mas não adjetivo, nem particípio, não. Sou substantivo simples, porém próprio."
Após o bilhete, a última notícia que tiveram de Ada veio para a mãe da menina, em sonho. E não estava assinada. Ada prometera, nessa ocasião, tomar muito cuidado com seus voos sem oriente, e mais ainda com as suas aterrisagens em terrenos desconhecidos. Seu maior pesadelo agora era pousar desavisadamente sobre a cabeça de alguém, e acabar por esmagar, casualmente, um sonho qualquer.
As crianças compreenderam bem. Ada não voltaria mais em sonho, e cuidaria ao máximo para não voltar em pesadelo. Aos poucos, a imagem da menina seria fielmente substituída pelos enlaces da memória de cada um. Essa memória que percebe o que não vê com os sensores do coração. Essa memória que é a mais fiel de todas.
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