domingo, 24 de janeiro de 2010

Tirania



Tem alguns sonhos que deixam a gente meio mole.
Daqueles sonhos que nos primeiros momentos do pós-sono deixam moles as mãos, os joelhos e as batatas das pernas.
E quando a gente percebe que era sonho (e não avatar!), a respiração dói e fica difícil. Temos que nos concentrar bem pra não sobrecarregarmos nossos pulmões.
Uma doce melancolia lastreada em algo que não é real nos dá vontade de voltar a sonhar.
E aquele suspiro sem razão de ser, que não quer dizer muito mais do que o que diz, toma conta do nosso "Bom dia".

Sem pedir licença, esses sonhos trazem para o coração o que já quase nem existe na razão.

E eles nunca pedem licença.

Ainda tão pra inventar alguma coisa mais tirânica que os sonhos....


sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Concentração em fuga

Às 21:04 em ponto aperto o mosquito que está sobre a mesa contra a capa do meu caderno.

Foi sem querer, eu juro! Jamais escolheira matar um mosquito assim: na minha mesa, com a capa do meu caderno bonito e novo. Meu caderno homenageia o pequeno príncipe, oras! Eu não insultaria o pequeno príncipe por tão pouco....

Mas ele era tão frágil e pequeno que o meu caderno, embora fosse, nem precisava ser de ´capa dura`.

"Morreu", pensei baixinho.

E foi isso.

Ele morreu no auge da minha concentração, levando consigo um pedação dela.

Pensei no epitáfio. "Aqui jaz um mosquito acadêmico".

Fitei os olhos mais uma vez no pequeno cadáver para depois devolvê-los ao texto que estava em minha frente e esboçava um leve ciúme.

Não consegui me desfazer do corpinho do mosquito.
E comecei a alternar: olhos nas letras, olhos no mosquito. Olhos nas letras, olhos no mosquito. Olhos nas letras, olhos no mosquito. Até que, para tristeza do meu companheiro texto, o mosquito esboçou um pequeno movimento.

Meio lento, parecia bêbado. Começou a se arrastar sobre o vasto-mundo-Raimundo, que naquele contexto era só uma mesa verde de biblioteca.

Para mim, era a própria ressurreição do mosquito. Da morte para a vida.

Meu coração ficou dividido.E minha fidelidade infiel não me deixava deixar o texto. Muito menos o pequeno mosquito.

E comecei que olha daqui, lê ali. Lê ali, olha aqui.

...Lakatos, mosquitos. Investigação-ação, mosquito. Habermas, mosquito. Dialética, mosquito. Ciências, mosquito.
E depois...
...Asas, texto. Patinhas, texto. Voar, texto. Vida em miniatura, texto. Fragilidades, texto. Morte, texto.Ressurreição, reencarnação, religião, ideologia, ciência...

Putz, ciências!!

Já são quase 21:40 e eu não mudei de página. E pra piorar: esqueci o que dizia o que eu estava lendo.

Pra piorar de novo: vou precisar esperar a ressurreição da minha concentração...a passos lentos e meio bêbados.



....porque ela é assim...dura não mais que o tempo que tem de fugir de mim. É delicada, como um mosquito de biblioteca. E frequentemente se faz moribunda frente a capa do meu caderno.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Quereres e tempos.


Depois de muito acreditar que o mundo que existe lá fora fui eu quem fiz, comecei a querer deixar essa ideia de lado.

É muita responsabilidade.

Tem coisas que não fui eu quem fiz. Que não fui eu quem quis. Que não sou eu quem diz.
Eu não queria que tanta coisa fosse como é, não. E eu nunca disse que queria.
E por vezes eu nunca sequer disse o que eu queria.
É que eu tenho dificuldade de querer certas coisas.

E os quereres, ah! Já até foram caetanizados.

Eu queria querer um monte de coisa. Mas as coisas que eu quero de verdade são muito simples.

Nesse momento eu só queria que o o tempo parasse junto com o relógio.
Mas só um pouquinho. Só pra eu conseguir respirar sem ver o ponteiro da vida passando.

Foi na Rita Apoena que eu li assim: "o relógio faz volta, mas o tempo, não.".

E é verdade.

E é verdade também que o relógio para. Mas o tempo, diz o refrão, o tempo não para.

O tempo não fica pendurado na parede, no pulso, ou em cordão. 
O tempo....é...aprendi que é relativo. Mas o relógio marca os segundos precisamente de acordo com o que foi estabelecido em alguma convenção desimportante. E a relatividade do tempo ainda não me ensinou a desmanchar essas horas tantas que de nada valem...



O tempo dói em mim hoje, enquanto o relógio dá voltas em minha cabeça.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O mundo está cheio de pensamentos confusos sobre peixes, asas e garotas.







Me confunde pensar peixes. Me asa peixar garotas confusas. Me pensa asar confusos peixes. Me asa confundir os peixes com garotas.  As garotas tem asas. Tem peixes. Tem pensamentos confusos.

 "O mundo está cheio de ideias confusas sobre ser uma garota".

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Flor da manhã.

Era sempre bom quando ela desabrochava em meu dia-a-dia, na capital federal.
E agora é tão raro.
Agora é calendário: é em julho e janeiro. E olhe lá.

Sempre me lembro da grande proporcionalidade que encontrava nos segredos que me trazia. E sempre com muita tensão. A desimportância que tinham para mim era do mesmo tamanho da importância que ela aplicava a cada um deles.Eu nunca entendia, só respeitava.

Foi quando ela pediu de presente de aniversário 5 reais a cada amigo que grande parte de nossas vidas viraram fotografias - em sépia-preto-branco-colorido. E passamos a guardar em nossas pastinhas amarelas virtuais incontáveis megas de memórias. E isso já tem uns lá-se-vão quatro anos.

De nós todas, ela foi a que mais demorou a querer o que a gente queria. E a gente queria tanto que ela quisesse o que a gente queria. Mas a gente queria cevada e coisas do gênero. E ela? Creme de brócolis, água tônica, café.

Era muito mais amiga do Sol que da Lua. Mas era tão nossa amiga que teimava em resistir até as tantas do relógio mesmo que seus cílios superiores forçassem encontros casuais com os inferiores, já a tantas da madrugada, quando não acompanhava o ritmo frenético dos amigos mais desapegados do Sol. E nos explicaria que precisava colocar as costas ao chão - pois elas doíam. E que fecharia o olho, mas só por 5 segundinhos.E assim justificava o nome que recebera dos pais. Ela me disse uma vez que significa, em tupi, "flor da manhã".

De vez enquando suas ecnonomias a apertavam. Então ela alinhava em um fio de nylon um monte de miçanga colorida. Algumas brilhavam. E brilhavam com elas os olhos das meninas que se sentavam às mesas de bar. E era assim que ela garantia o seu carnaval e o ingresso pro show daquela banda que gostava.

O problema é que passar o carnaval, as férias, o reveillon ou qualquer outra data teoricamente mais importante longe da família, lhe custava uma grande dose de ácido clorídrico no estômago. E algumas lágrimas. Isso porque sempre estava rodeada de certeza de que seus pais ficariam chateados. E chatear os seus pais era um medo tão grande, que era uma de suas maiores chateações. E nós, que não conseguíamos alcançar com a mesma emoção todo esse sentimento, ficávamos chateados também. E tantas vezes impacientes.

E foram tantas as vezes em que me ligaria angustiada, pedindo opinião. E depois pedir mais mil vezes a mesma opinião. E ficar confusa. E ansiosa. E angustiada.... E foi entre algumas dessas confusões e angústias que ela decidiu por ir embora.

Ela era sempre cheia de histórias e piadas. E comentários inusitados. E não tinha quem não gostasse. E manteria suas amizades mais antigas. Com dedicação. Quando chegasse em São Paulo ligaria até mesmo pra Silvinha, aquela que faz circo e que era amiga da primeira infância.

Fui com ela pro Rio. E fui com ela pra Buenos Aires. E pra São Paulo. E pra Pirinópolis. E pro Rio-de-Janeiro. E pra Goiânia. E pra 3456 festas, shows, filmes, bares e cafés. E pra UDV. E pra casa de sei-lá-quem-fazer-sei-lá-o-quê. Quando essas casas tinham um piano, ela tocaria a marcha nupcial.

E me telefonava 344 vezes por dia. E me ajudava a pensar 123213 questões. E dormia na minha casa mesmo que o colchão fosse daqueles infláveis e ela acordasse dormindo no chão. E para dormir, uma vez,  até compramos pijamas iguais. E também tínhamos saias, calças, calcinhas e sutiãs iguais também.

Invariavelmente ela seria amiga de todos os meus namorados. Porque era companheira de verdade. E quando o namorado ia embora, pq a vida levava, ouviria pacientemente 32432 lamentações repetitivas. E até hoje, quando esses misteriosos seres do sexo oposto se costuram à minha vida, ela me ouve. Mesmo que agora paguemos muito mais caro por isso. É que agora é DDD, né?

E agora, confirmando o que vem acontecendo nos últimos janeiros da minha vida, ela chegou. E pudemos tomar café, comer salada, assistir filmes e trocar, entre as amigas, as roupas que não nos servem mais e as histórias de nossas vidas que tanto nos servem. E aquelas que não servem mais também. E ainda temos muito pela frente. Até que fevereiro chegue e a leve de volta à beira-mar.