Ainda na saga-siso.
Ontem eu não podia rir. Tanto quanto não posso hoje.
Engraçado perceber como a gente ri muito mais do que imagina.
Na hora de alugar filme me programei para assistir filmes tristes. Pensei em todos aqueles títulos que eu sempre deixei pra depois porque não queria chorar. Encontrei vários deles pelas prateleiras e trouxe pra casa.
Aí eu assisti "O Escafândro e a Borboleta".
Passei quase duas horas assistindo esse filme, que é narrado em primeira pessoa. É sobre um cara que após um AVC narra a história de sua vida, utilizando apenas um olho. É. Um olho. O cara pisca, pisca, pisca e as pessoas extraem palavras das piscadelas. Tipo um "código morse para o olho". Uma coisa deprimente. Eu não achei bonito, não achei uma lição de vida. Achei uma lição de morte. E sabe o que é pior? Eu ri. Justo quando eu não podia, eu ri.
Não é que haja graça em ter um AVC, muito menos em ficar paralisado numa cama, locked-in.
Mas...como não rir? Parece que aprendemos mesmo a ser palavras. Somos tão iluministas, e tão iluministas, que viver de palavras parece que é super ok. De palavras e de idéias.
Me lembro daquela idéia que a gente discute em teorias do conhecimento, a respeito de cérebros boiando em cubas ligados a eletrodos como sendo seres humanos. Bom, se os eletrodos nos trouxessem sensações e pudéssemos imaginar que temos corpos, até vá lá...mas o Jean-Dominique Bauby era o único cérebro em uma cuba e sequer podia ter sensações. E as pessoas acham isso....poético.
Argh. Achei um desaforo esse filme. Um filme para iluministas sádicos. E nisso, sim, há graça. Acho graça que aluguei o filme pra chorar, e não tive a menor vontade de chorar. No final do filme, morri de culpa por não ser solidária a Jean-Dominique ou a qualquer um que esteja locked-in. Aliás...que que é que tava preso e o que é que prendia? Jean-Dominique era só palavras mesmo, presas no escafandro, que era aquele corpo quase inútil...que parecia mesmo servir como uma série de eletrodos funcionais da imagem, do som e do pensamento. De fora pra dentro.
É. Pensando bem, acho que achei graça mesmo foi na culpa. Na culpa que senti porque não valorizei a metamorfose de Jean-Dominique Bauby em palavras. E porque não valorizei o seu esforço em narrar a sua vida através de piscadelas, que, elas mesmas, tornam sua vida muito mais interessante, aos olhos dos outros, do que a sua própria vida enquanto jornalista. [E nesse mundo de egos estufadinhos acho que achei engraçado imaginar como seria surpreendente se ele tivesse escrito, enquanto locked-in, um Thriller, ou um romance-erótico, ao invés de uma autobiografia].
Agora, ainda tô me sentindo culpada por não dizer que a fotografia é maravilhosa (e realmente é!) ou que fazer um filme que seja todo em primeira pessoa é uma tarefa difícil...mas...vou me eximir de culpas. Porque eu que tô inchada, que sou dramática, que tô quase me sentindo em um escafandro porque não posso rir, falar e comer direito. E eu que sou incoerente e sinto vontade de terminar agora dizendo com palavras que queria um mundo com menos palavras. E mais gosto. Mais tato. Mais corpo. (Ainda que sem palavras talvez não existisse tato, gosto e corpo...mas isso é pruma outra conversa..)
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