sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

De pequena.


Algumas coisas são desde pequena.

Hoje um aluno me disse que desde pequeno ele gosta de aviões. E ele tem 11 anos.
Eu tenho bem mais que isso. Mais que o dobro disso, na verdade.
E também tenho o meu desde pequena.
E pensava sobre isso esses dias, já que venho completando aí minha 27ª revolução solar.

Desde pequena gostava de bichos.
Mas muito pouco dos bichos domésticos. E assutei meu homeopata, o doutor jaquinho, quando ele me perguntou: você gosta de animais?
"Gosto muito!"
"E qual o animal que você mais gosta?"
"Gosto de insetos e baleias"

Ele não encontrou no guia de homeopatia esse sintoma.

Mas sempre foi assim.
Quando eu assisti "Orca, a baleia assassina" eu não tinha mais que 9 anos.  É um filme da década de 70. Eu chorei muito. É que no filme um cara mata uma orca fêmea e ela aborta um filhote que está esperando. Passei o filme todo torcendo para a orca macho destruir a embaração e matar todos os tripulantes que mataram a orca fêmea.
Eu não tinha 6 anos de idade quando ganhei do meu pai uma gaiola de periquitos. E eram periquitos, segundo meu pai, de muitas cores. No primeiro instante em que tive a gaiola ao alcance das mãos e distante dos olhos de meu pai, não tive dúvidas. Soltei os bichinhos.
Mas não tive tanta solidariedade interespecífica quando a professora Liana, da 6 série, nos pediu como trabalho para o 4 bimestre uma coleção de insetos. Eu passaria dias e dias no meio do mato coletando insetos. Nessa época o Park Way ficava no meio do mato...literalmente. Não esqueço quando as antenas da borboleta azul (que hoje sei que anda em processo de extinção) caíram. Tratei de colocar no lugar dois fiabos de piaçava, que tirei de uma vassoura. É que a professora disse que os insetos tinham que estar inteiros...
Tive também uma coleção de lesmas, que eu tentava manter em uma caixa de sapatos e alimentar com alfaces. E gostava de capturar os girinos da piscina, que meu pai não mandava limpar na chuva e virava local de reprodução de anfíbios. Uma vez coloquei os girinos pra nadar na pia da churrasqueira, que enfeitei com pedras e flores. Tampei o ralo com pedrinhas menores. Não sei quem foi que abriu o ralo, mas sei que algum tempo depois a pia da churrasqueira estava entupida. Quando meu pai mandou ver o que era, eram pequenos sapinhos mortos.
E ainda me lembro de quando, na escola, enlaçava linha de costura em cigarras vivas, na expectativa de brincar de pipa. Ou quando estabelecíamos, minha irmã e eu, uma competição para ver quem catava mais tatuís na praia de Saquarema.
Quando me ofereceram, na AABB, uma vara de pescar e isca, sofri. Não acreditava que meus amigos eram capazes de pescar os bichinhos, vê-los feridos debatendo-se na vara, e depois, como se nada tivesse acontecido, devolvê-los ao Lago.
E mesmo que tenha memórias mais trágicas sobre alguns bichos de infância [quando eu e minha irmã fomos atacadas por marimbondos na piscina, ou quando me "queimei" em uma taturana e tive febre!], eu hoje percebo que foi sempre assim desde pequena. Desde pequena eu gosto de bichos.

Hoje, na aula da noite, uma andorinha entrou na sala. Estranho andorinha tão ativa à noite.
E ela voou várias vezes. E a aula parava todas as vezes que isso acontecia.
Algumas pessoas se assustavam com o voo da andorinha.
E eu me assustei com quem se assusta com o voo de um passarinho.

Tem coisas que são nossas de pequena.

Tem gente que de pequena gosta de carros.
Tem gente que de pequena gosta de planetas.
Tem gente que de pequena gosta de números.
Tem gente que de pequena gosta de gente.

Ainda bem que tem gente de todo tipo. E todo tipo de gente nessa vida.

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