sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

De pequena II

“Vi uma nuvem pequena/coitada da minhoca/acho que ela não viu”


Quando a gente é pequena, não importa o resto: não precisa usar camiseta. E pode andar descalço por aí.

O quintal de casa parece o mundo. O resto, que não fica dentro, é só um apêndice que inventaram pra ocupar o tempo do nosso brincar.

Quando a gente é pequena, pouco importa se está desproporcional: a camiseta do pai é uma grande e confortável camisola de dormir.

Eu não sei como é hoje em dia.
Ou como era nesses mesmos dias em outras famílias.
Mas na minha era assim.

A gente brinacava no quintal, que tinha mais de 20 mil metros quadrados.
E corria sem camiseta. E sem frescura.
Se sujava de manga, pulava na piscina, subia em todas as árvores possíveis.
E ninguém reclamava.
E isso não foi há 50 anos atrás.
Foi há menos de 20, aliás.

Quando eu era pequena não ganhava brinquedos eletrônicos. Eu queria um "Walk machine" e um vídeo game. Mas meu pai dizia que os brinquedos eletrônicos brincavam pela gente.
E no lugar eu ganhava bicicletas, patins e um parquinho inteiro do lado de fora de casa.

Em pequena, no meio da manhã, tinha um encontro marcado com o suco de salada.
E nas manhãs de Sol eu nem queria dar bom dia para a nave da xuxa, porque sempre tinha muita coisa me esperando lá fora.
E passava o dia a correr com os pés descalços.

Outro dia ela me disse assim: "o seu pé é muito grosso, como é que o seu namorado faz carinho no teu pé?"

É que meu pé é rural mesmo. Ele recebeu, por anos e anos, carinho da grama, da terra e do cascalho. Esse carinho agora é uma tatuagem. Quem passa a mão no meu pé reconhece sinestesicamente, mesmo sem conhecer, a minha infância feliz.

Hoje eu senti saudade da casa.
Mas não deve ser por acaso que sem C, casa é asa.
Por um lado é bom que a casa tenha voado.
Virou cenário em memória doce.
Parafuso de saudade.



No fundo do pomar
carambolas e mangas
férias de verão

Tarde de Sol
nuvenzinha come doce
dia de obrigação

Explosão de amor
quando chega novembro
a piscina é dos sapos

Manga coquinho,
tesouro do dia:
só o vizinho tem

De pequena.


Algumas coisas são desde pequena.

Hoje um aluno me disse que desde pequeno ele gosta de aviões. E ele tem 11 anos.
Eu tenho bem mais que isso. Mais que o dobro disso, na verdade.
E também tenho o meu desde pequena.
E pensava sobre isso esses dias, já que venho completando aí minha 27ª revolução solar.

Desde pequena gostava de bichos.
Mas muito pouco dos bichos domésticos. E assutei meu homeopata, o doutor jaquinho, quando ele me perguntou: você gosta de animais?
"Gosto muito!"
"E qual o animal que você mais gosta?"
"Gosto de insetos e baleias"

Ele não encontrou no guia de homeopatia esse sintoma.

Mas sempre foi assim.
Quando eu assisti "Orca, a baleia assassina" eu não tinha mais que 9 anos.  É um filme da década de 70. Eu chorei muito. É que no filme um cara mata uma orca fêmea e ela aborta um filhote que está esperando. Passei o filme todo torcendo para a orca macho destruir a embaração e matar todos os tripulantes que mataram a orca fêmea.
Eu não tinha 6 anos de idade quando ganhei do meu pai uma gaiola de periquitos. E eram periquitos, segundo meu pai, de muitas cores. No primeiro instante em que tive a gaiola ao alcance das mãos e distante dos olhos de meu pai, não tive dúvidas. Soltei os bichinhos.
Mas não tive tanta solidariedade interespecífica quando a professora Liana, da 6 série, nos pediu como trabalho para o 4 bimestre uma coleção de insetos. Eu passaria dias e dias no meio do mato coletando insetos. Nessa época o Park Way ficava no meio do mato...literalmente. Não esqueço quando as antenas da borboleta azul (que hoje sei que anda em processo de extinção) caíram. Tratei de colocar no lugar dois fiabos de piaçava, que tirei de uma vassoura. É que a professora disse que os insetos tinham que estar inteiros...
Tive também uma coleção de lesmas, que eu tentava manter em uma caixa de sapatos e alimentar com alfaces. E gostava de capturar os girinos da piscina, que meu pai não mandava limpar na chuva e virava local de reprodução de anfíbios. Uma vez coloquei os girinos pra nadar na pia da churrasqueira, que enfeitei com pedras e flores. Tampei o ralo com pedrinhas menores. Não sei quem foi que abriu o ralo, mas sei que algum tempo depois a pia da churrasqueira estava entupida. Quando meu pai mandou ver o que era, eram pequenos sapinhos mortos.
E ainda me lembro de quando, na escola, enlaçava linha de costura em cigarras vivas, na expectativa de brincar de pipa. Ou quando estabelecíamos, minha irmã e eu, uma competição para ver quem catava mais tatuís na praia de Saquarema.
Quando me ofereceram, na AABB, uma vara de pescar e isca, sofri. Não acreditava que meus amigos eram capazes de pescar os bichinhos, vê-los feridos debatendo-se na vara, e depois, como se nada tivesse acontecido, devolvê-los ao Lago.
E mesmo que tenha memórias mais trágicas sobre alguns bichos de infância [quando eu e minha irmã fomos atacadas por marimbondos na piscina, ou quando me "queimei" em uma taturana e tive febre!], eu hoje percebo que foi sempre assim desde pequena. Desde pequena eu gosto de bichos.

Hoje, na aula da noite, uma andorinha entrou na sala. Estranho andorinha tão ativa à noite.
E ela voou várias vezes. E a aula parava todas as vezes que isso acontecia.
Algumas pessoas se assustavam com o voo da andorinha.
E eu me assustei com quem se assusta com o voo de um passarinho.

Tem coisas que são nossas de pequena.

Tem gente que de pequena gosta de carros.
Tem gente que de pequena gosta de planetas.
Tem gente que de pequena gosta de números.
Tem gente que de pequena gosta de gente.

Ainda bem que tem gente de todo tipo. E todo tipo de gente nessa vida.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A vida tá pra peixe!


Fevereiro é mês de Iemanjá.
O mar tá pra peixe, e eles chovem em mim.
A vida tá ficando cheinha deles. E eu cada vez mais Mar.
Marina: aquela que vem do mar, no latim.
No horóscopo, meu Sol tem formato de peixe também [ainda que recém saído do aquário].
Os peixes invadem o meu sono. Meus sonhos. Meu dia-a-dia.
E multiplicam-se.
Não por milagre divino, ou algo parecido.
Eles multiplicam-se em mim
Só me resta abraçar a água, me enxarcar em mar.
E torcer para que as próximas chuvas tragam mais peixes!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Das coisas que o youtube pode fazer por você.

Entre tantos tutoriais do youtube, achei alguns sobre trico.
E lá fui eu aprender.
Achei muito bonito o fazer trico, do verbo tricotar.
No sentido restrito do termo.
A linha passando de uma agulha a outra, enrolando, puxando, e fazendo uma malha.

E tem tantos pontos de trico.
E tem tantas cores de lã no mercado.
E tantos formatos possíveis de fazer o trico.
E tanta coisa pra se fazer [..de meia a roupa para árvore].

E aí pensei na vida como malha de trico.

Tricotando as pessoas.
As ideias.
Os trabalhos.
Os amores.
E passando de um lado ao outro da agulha, amarrando, puxando, esticando.
Virando malha.

Às vezes a gente erra o ponto no trico. Fica um buraquinho delator na malha.
A Tahiná disse que o buraco no paninho de trico é bacana, porque reflete a humanidade que há no tricotar...já que errar é humano.

E no trico da vida é assim também. Às vezes também erramos o ponto....e deixamos buraquinhos na malha.

Alguns buracos a gente volta pra arrumar porque tá no início da carreirinha de linha.
Outros a gente só percebe quando já encompridou demais o paninho. Dá preguiça de voltar.
Ou simplesmente não vale a pena, mesmo.
O André então me disse que nos buraquinhos podemos pregar botões, pra disfarçar os erros e dar uma cara descolada pro trabalho.

Na vida também, né? Podemos disfarçar os buraquinhos de várias maneiras.

Passaram a aplicar o termo tricotar pra fazer referência a certos tipos de bate-papos entre pessoas. Geralmente usado pra se referir a conversas entre mulheres.

Achei legal pensar nisso e imaginei que o meu próximo projeto no CEF São José pode envolver trico de lã, trico de conversas e trico de vidas.

Se o projeto anterior foi "Histórias de vida penduradas em cordel", talvez o próximo possa ser: "Vidas em trico: pontos, malhas e buraquinhos".

De repente eu e as alunas conseguimos conversar sobre nossas vidas, e meu projeto do corpo [caso seja aprovado] tenha um pontapé inicial.
Espero que faça sentido.

No mais, mantenho minha admiração pelos tutoriais do youtube. Pelo trico. E agora, mais recentemente, pela vida. E pelas garotas do projeto knitta, que encapam árvores com trico.

Agulhas e linhas
costurando segredos
num cobertor de lã