“Vi uma nuvem pequena/coitada da minhoca/acho que ela não viu”
Quando a gente é pequena, não importa o resto: não precisa usar camiseta. E pode andar descalço por aí.
O quintal de casa parece o mundo. O resto, que não fica dentro, é só um apêndice que inventaram pra ocupar o tempo do nosso brincar.
Quando a gente é pequena, pouco importa se está desproporcional: a camiseta do pai é uma grande e confortável camisola de dormir.
Eu não sei como é hoje em dia.
Ou como era nesses mesmos dias em outras famílias.
Mas na minha era assim.
A gente brinacava no quintal, que tinha mais de 20 mil metros quadrados.
E corria sem camiseta. E sem frescura.
Se sujava de manga, pulava na piscina, subia em todas as árvores possíveis.
E ninguém reclamava.
E isso não foi há 50 anos atrás.
Foi há menos de 20, aliás.
Quando eu era pequena não ganhava brinquedos eletrônicos. Eu queria um "Walk machine" e um vídeo game. Mas meu pai dizia que os brinquedos eletrônicos brincavam pela gente.
E no lugar eu ganhava bicicletas, patins e um parquinho inteiro do lado de fora de casa.
Em pequena, no meio da manhã, tinha um encontro marcado com o suco de salada.
E nas manhãs de Sol eu nem queria dar bom dia para a nave da xuxa, porque sempre tinha muita coisa me esperando lá fora.
E passava o dia a correr com os pés descalços.
Outro dia ela me disse assim: "o seu pé é muito grosso, como é que o seu namorado faz carinho no teu pé?"
É que meu pé é rural mesmo. Ele recebeu, por anos e anos, carinho da grama, da terra e do cascalho. Esse carinho agora é uma tatuagem. Quem passa a mão no meu pé reconhece sinestesicamente, mesmo sem conhecer, a minha infância feliz.
Hoje eu senti saudade da casa.
Mas não deve ser por acaso que sem C, casa é asa.
Por um lado é bom que a casa tenha voado.
Virou cenário em memória doce.
Parafuso de saudade.
No fundo do pomar
carambolas e mangas
férias de verão
Tarde de Sol
nuvenzinha come doce
dia de obrigação
Explosão de amor
quando chega novembro
a piscina é dos sapos
Manga coquinho,
tesouro do dia:
só o vizinho tem